Tributação dos benefícios fiscais

Há discussões no âmbito tributário que surgem impregnadas de legitimidade, em relações as quais, os contribuintes buscam garantir o adequado tratamento jurídico perante os tribunais e, por vezes, suas demandas são atendidas. Isto é inevitável em um país cujo um dos traços mais marcantes da tributação reside em sua complexidade.

Infelizmente, também por vezes, o que se constrói dentro da legitimidade acaba por traçar caminhos que levam a um verdadeiro precipício hermenêutico e, num plano prático, resultam situações previsivelmente indesejadas e tendencialmente incontornáveis. Esse parece ser o caso da tributação dos denominados “benefícios fiscais”, sobretudo aqueles concedidos pelos Estados, com vistas a estimular atividades econômicas e indiretamente aumentar a arrecadação (também conhecidos com subvenções de investimento ou de custeio).

Historicamente, as subvenções de investimentos foram entendidas como não componentes do lucro, desde que observados os requisitos até recentemente contidos na Lei 12.973/14, em seu art. 30. Já os valores apropriados relativamente às denominadas “subvenções para o custeio” seriam objeto de incidência dos tributos, cujo fato gerador reside nele (lucro).

Em 2017, esse cenário mudou com o advento da Lei Complementar 160, em face à adição do § 4º ao art. 30 da Lei nº 12.973/14, fixando que: “Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais” de ICMS convalidados no CONFAZ são considerados subvenções para investimento” e, portanto, não estariam mais submetidas a incidência de IRPJ e CSLL. Com isso, houve uma equiparação no tratamento fiscal aplicável à ambas.

Em vista disso, o Superior Tribunal de Justiça reexaminou o assunto o e conclui que “a superveniência de lei que determina a qualificação do incentivo fiscal estadual como subvenção de investimentos não tem o condão de alterar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo” (AgInt no EREsp nº 1.462.237/SC), não incidindo, portanto, os dois tributos federais mencionados. Também entendeu que a não incidência abrangeria “as demais espécies de benefícios fiscais de ICMS”” (REsp 1.968.755/PR).

A partir de então, o precipício passou a ser hermeneuticamente, construído. Muitos contribuintes passaram a considerar também como subvenção as diversas espécies de desoneração de ICMS praticadas pelos Estados (isenção, redução de base cálculo, diferimento, suspensão e, pasmem, até as imunidades), desconsiderando que, faticamente, tais desonerações possuem natureza completamente diversa de um “crédito presumido”, por exemplo, o qual corresponde ao modo mais comum de conceder benefício fiscal aos contribuintes de ICMS.

O modo de fruição do tratamento especial para referidas modalidades de desoneração, dar-se-ia mediante o lançamento contábil do ICMS sobre as vendas (saídas) como se este imposto fosse destacado (e cobrado) integralmente do adquirente, não obstante a desoneração – parcial o total – fosse de fato praticada. Em contrapartida reconhecia-se tais valores como “receitas de subvenções”, as quais seriam excluídas do denominado “lucro real”. Isso deu-se a partir da propositura de ações judiciais, ou mesmo, simplesmente, de forma “administrativa”, como alguns profissionais que operavam na área se referiam. Obviamente, essa prática reduziu significativamente os lucros tributáveis e gerou, por conseguinte, um patrimônio líquido significativo, mas irreal.

Como isso deu-se em larga escala, inclusive mediante a chancela de decisões judiciais que não faziam a devida diferenciação das situações, a “soma de todos os erros” ganhou um aditivo potencialmente muito prejudicial aos contribuintes. O Governo Federal editou a Medida Provisória 1.185/23, a qual foi convertida na Lei 14.789/23 que, em suma, passou a fazer incidir sobre quaisquer subvenções (crédito presumidos de ICMS inclusive), os tributos Federais (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS), a partir de 01/01/2024, revogando a legislação que regulava o assunto (art. 30 da Lei 12.973/14, em especial).

Com a nova Lei, apenas as subvenções para investimentos serão objeto de um tratamento diferenciado (benéfico), assim mesmo apenas em relação ao imposto de renda, cuja operacionalização dar-se-á de um modo bem intrincado, para dizer pouco. De uma forma bastante restritiva, apenas serão enquadrados como tal, os incentivos à implantação de empreendimento econômico para o desenvolvimento de atividade por pessoa jurídica não domiciliada no Estado que conceder o benefício. Por sua vez, o contribuinte (optante pelo lucro real) deverá apresentar um pedido de habilitação e terá direito a um crédito equivalente à alíquota do IRPJ (25%), ainda assim limitado às despesas de depreciação, amortização, exaustão ou locação dos bens de capital respectivos.

Em termos práticos, no mínimo, a carga incidente sobre os benefícios fiscais de ICMS (em especial créditos presumidos) restou majorada em 18,25 %, que corresponde a soma das alíquotas dos tributos não recuperáveis (CSLL, PIS, COFINS). Este pois, é o entendimento do Fisco Federal, pelo menos até o momento.

Com relação aquelas desonerações fiscais de ICMS que beneficiam os adquirentes (isenção, redução de base, diferimento etc.), a lei delas não trata e, nem poderia fazê-lo. Por óbvio, quando há uma redução de um tributo indireto sobre o consumo, o beneficiário do tratamento fiscal diferenciado é o adquirente que, em tese, compra a mercadoria/serviço por um custo menor do que aquele que seria suportado, caso houvesse a incidência integral do imposto estadual.

Aliás, para esses casos, a lei propõe uma autorregularização ou transação tributária, relativamente a tributos que deixaram de ser recolhidos indevidamente. Isso, pois, parece ser um indicativo de que haverá uma forte ação fiscal, voltada aos contribuintes que deixaram que recolher os tributos, sem que houvesse o cumprimento dos requisitos anteriormente vigentes.

Embora não tenha havido uma regulamentação, entende-se que a nova sistemática, notadamente em relação aos denominados créditos presumidos de ICMS, pode ser validamente discutida perante o Judiciário. Entre outras razões, ela implica indireta quebra do Pacto Federativo, viola o princípio da hierarquia das leis e, até eventualmente, pode constituir afronta a denominada “coisa julgada”.

Enfim, no reino da complexidade tributária à brasileira, os erros vão se retroalimentando e conduzindo todos a um precipício, no qual há uma queda ou mergulho naquilo que mais se aproxima a uma insanidade institucional. O que diria hoje Alfredo Augusto Becker, que, nos idos dos anos 1960, descreveu o Brasil como um “manicômio tributário”, ao se deparar com o cenário ora vigente? Provavelmente, não encontraria palavras e talvez fosse pensar que havia sido um tanto apressado ao cunhar, naquele tempo, tal expressão, diante dessa verdadeira loucura fiscal.

Vive-se, pois, o ápice de um irracional processo construído ao longo dos anos, o qual se constitui um dos maiores entraves ao desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais e regionais. Não obstante a Reforma Tributária, em longo prazo, tende a minimizá-lo, ela será insuficiente para sanar “a soma de todos os erros”, que vem sendo eficientemente erigida no “paraíso dos trópicos”, por atores de múltiplas faces, há tanto tempo.

Compartilhe nas redes sociais!