A Aposentadoria Especial e a Consequente Extinção do Contrato de Trabalho

Desde 2008, com base na Orientação Jurisprudencial nº 361 da SDI-1 do TST, a Justiça do Trabalho tem entendido que a aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação. Seguindo essa lógica, por ocasião da dispensa imotivada, vem se entendendo que o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral, inclusive aqueles realizados antes da aposentadoria. Ou seja, refuta-se a tese de que a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho.

Considerando-se a plena vigência deste entendimento, começou a ser discutida a sua aplicabilidade aos casos de aposentadoria especial.

De acordo com o artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 (que regulamenta a Lei dos Benefícios Previdenciários, de nº 8.213/1991), a aposentadoria especial é devida ao trabalhador que, no curso das relações de trabalho que manteve ao longo da sua vida profissional, esteve sujeito ao desgaste resultante da exposição a condições nocivas a sua saúde. Conforme os agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos previstos no Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, e desde que comprovada a exposição do trabalhador a tanto, é possível aposentar-se após cumpridos 15, 20 ou 25 anos de contribuição.

Os mesmos regramentos legais preceituam que o empregado que obtiver a aposentadoria especial não pode permanecer trabalhando nas mesmas condições que a ensejaram. Em assim o fazendo, na forma do artigo 57, §8º, da Lei nº 8.213/1991, perde o direito à percepção da aposentadoria.

A lei confere, então, caráter compulsório ao desligamento pela ocasião da concessão da aposentação especial. A rescisão, portanto, não é por iniciativa patronal, mas por força de lei, com o intuito justamente de proteger a saúde do empregado, afastando-o da condição nociva que gerou a jubilação especial. E, em assim sendo, não faz jus o empregado às parcelas inerentes à rescisão imotivada do contrato de trabalho, inclusive à percepção da multa de 40% sobre o FGTS. Essa extinção contratual deve ser formalizada nos moldes do pedido de demissão.

Não obstante o acima elucidado, alerta-se para o fato de que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.000, julgado em 24/05/2012, decidiu pela inconstitucionalidade do §8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991. Fundamentou a decisão sob os argumentos de que é garantido o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988), de que a proibição de trabalho perigoso ou insalubre existente no artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988 só se destina aos menores de dezoito anos, não havendo vedação ao segurado aposentado e de que o artigo 201, § 1º, da Carta Magna de 1988, não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial. Ou seja, entendeu pelo direito à percepção da aposentadoria especial independentemente do afastamento das atividades laborais sujeitas a condições nocivas,

Atualmente, a matéria pende de decisão definitiva pelo STF, que, de todo modo, ao tema já deu destaque, reconhecendo-o como de “repercussão geral”[1], o que significa dizer que a decisão sobre esta específica matéria que vier a ser exarada, ao final, pela Suprema Corte, valerá indistintamente.

Ainda assim, a compulsoriedade da extinção do contrato de trabalho frente à concessão da aposentadoria especial vem sendo reforçada em decisões recentes, em ações movidas pelos segurados contra o INSS, onde reivindicam o deferimento deste benefício previdenciário com fundamento no voto divergente daquele Incidente. Nestas decisões, o pagamento efetivo do benefício é condicionado à comprovação do não exercício da atividade sujeita a agentes nocivos pelo segurado/beneficiário, ou seja, a data do início do pagamento corresponderá à data do afastamento do trabalho especial[2].

Na mesma senda, o TST vem entendendo, embora não de forma unânime, que o empregado que teve o contrato de trabalho extinto pela aposentação especial (extinção esta que decorre de força de lei e não por iniciativa do empregador) não tem direito às parcelas inerentes à rescisão imotivada do contrato de trabalho, no que se inclui a multa de 40% sobre o FGTS.

Nesse norte, transcreve-se:

(…) RECURSO DE REVISTA. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 57 DA LEI 8.213/91. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS. MULTA DE 40% SOBRE O FGTS. SEGURO DESEMPREGO. 1. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, ao julgamento do E-ED-RR-87.86.2011.5.12.0041, em 25.05.2015, firmou entendimento no sentido de que a concessão de aposentadoria especial acarreta a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado. 2. Assim, o Tribunal Regional do Trabalho, ao concluir que a dispensa promovida pelo empregador em razão da aposentadoria especial obtida pelo empregado deve ser considerada imotivada, decidiu em desacordo com jurisprudência da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, violando o disposto no art.57, §8, da Lei 8.213/91.  Recurso de revista conhecido e provido. (Acórdão da 1ª Turma do TST, Processo TST-RR-11373-07.2014.5.15.009, Ministro Relator Hugo Carlos Scheuermann, julgado em 27.02.2019)

A inteligência majoritária do TST, estampada na decisão acima, faz todo o sentido se presentes os termos precisos do artigo 57, §8º, da Lei nº 8.213/1991 e o fundamento desta espécie de aposentadoria, que é exatamente a contagem especial decorrente do efetivo desgaste inerente ao trabalho em específicas condições insalubres. Reforça-se, se o objetivo da Lei é preservar o trabalhador do ambiente nocivo, não há que se admitir a continuidade da relação de emprego, o que, aliás, vem expresso na regra vigente. Portanto, o contrato de trabalho, extinto, nessa hipótese, por força de lei, não pode imputar ao empregador, que não deu causa a tanto, o adimplemento das parcelas próprias à rescisão imotivada do contrato de trabalho, inclusive no que respeita à percepção da multa de 40% sobre o FGTS.

O mesmo raciocínio vale para os casos em que o empregador toma conhecimento posteriormente à concessão da aposentadoria especial pelo empregado. Ou seja, tão logo seja informado, torna-se devida a extinção da relação de emprego.

Entendemos que o empregador, pelo menos até a data em que é cientificado da concessão da aposentadoria especial, não pode ser responsabilizado pela eventual continuidade do trabalho em condições especiais pelo segurado. Em contrapartida, assim que é informado de tanto, deve tomar as providências cabíveis para o que cesse a exposição do empregado às condições especiais ou, se interessar, proceder no desligamento.

Já o empregado, se omite a informação quanto à concessão da aposentadoria especial ao seu empregador, pode vir a ser responsabilizado em face do que preconiza o artigo 57, §8º, da Lei nº 8.213/1991, inclusive mediante ação do próprio INSS para a devolução dos valores indevidamente acessados e, independentemente disso, pode vir a ter cancelado, de imediato, o benefício especial.


[1] Tema 709 – Possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde. Leading case: RE 791961. Relator: Ministro Dias Toffoli.

[2] Sentença proferida no Processo n° 5007225-47.2018.4.04.7100/RS, de lavra do Juiz Federal Dr. Carlos Felipe Komorowski.

Cristina Krause – OAB/RS 46.058 Patricia Dalla Rivas Dias – OAB/RS 50.550
Advogadas integrantes da equipe de profissionais do escritório Garcez Advogados Associados – Assessoria Jurídica do SINDIMETAL, nas áreas Trabalhista, Ambiental e de Representação Comercial.
Artigo publicado no Espaço SINDIMETAL 77

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