2020 – O foco sai da Previdência e vai para o crescimento

No final de 2019 utilizamos como mote, para comunicar o cenário para 2020, a seguinte frase: “Para a economia mundial o melhor já passou, enquanto para a economia brasileira o pior já passou”. Ainda que não tivéssemos como prever a ação militar dos EUA no Irã e a expansão do Corona vírus, esses eventos certamente aprofundam a ideia de que não será um ano tranquilo para o setor externo. Nos próximos meses, provavelmente as previsões para o crescimento global serão revisadas para baixo. Por exemplo, as primeiras estimativas sugerem a subtração de 1 ponto percentual no crescimento chinês em 2020 por conta do vírus. Além disso, as primeiras medidas do novo governo argentino confirmam a projeção de que a crise no País vizinho vai perdurar. Dessa forma, não poderemos contar com a contribuição do mercado externo para o crescimento do Brasil nesse ano.

No cenário interno, acreditamos que a passagem do ano de 2019 para 2020 tem marcado uma mudança de foco no debate econômico brasileiro. Enquanto no ano passado as atenções estiveram voltadas para o comprometimento do governo com a agenda da sustentabilidade fiscal, em especial a aprovação da Reforma da Previdência, nesse ano, o baixo crescimento econômico, bem como os elementos estruturais, que nos impedem de crescer, ganhará mais destaque.

O controle das contas públicas deve permitir juros mais baixos por mais tempo. Além disso, verifica-se um efeito crownding in do setor privado na economia na medida em que o setor público diminui a sua participação. Esse movimento é crucial para o prospecto de taxa de juros, inflação e taxa de câmbio.

A menor competição do Governo pelos recursos escassos com os demais setores da economia tende a diminuir a tensão dos preços durante retomada. No período anterior, por exemplo, os gastos públicos eram altamente pró-cíclicos, ou seja, quando a economia crescia o setor público aumentava os gastos. Tendo em vista que no curto prazo a quantidade ofertada de insumos e mão de obra são restritos, gerávamos uma maior pressão inflacionária. A inflação crescente obrigava a atuação enérgica do Banco Central, que precisava elevar a taxa básica de juros para desacelerar a economia e conter os preços. Os juros mais altos ampliavam o diferencial de juros em relação ao exterior, atraindo capitais e apreciando a taxa de câmbio.

Permanecendo no caminho do ajuste fiscal, acreditamos que temos, depois de quarenta anos, um ambiente mais propício para o crescimento puxado pela indústria, favorecida pela configuração de juros mais baixos e taxa de câmbio mais desvalorizada. Contudo, assim como para uma indústria se manter competitiva ela precisa se atualizar constantemente, o setor público, que estabelece as bases para o ambiente em que a indústria atua, também deve estar em constante modernização. A modernização trabalhista foi um passo importante. Porém, a Reforma Tributária também já está muitas décadas atrasada, e precisamos rapidamente de uma modernização da economia brasileira nesse aspecto. Continuando nessa trajetória, podemos ser mais confiantes e esperar uma atividade mais dinâmica nos próximos anos e com maior participação do setor privado.

Especificamente em 2020, a retomada da indústria da construção civil pode ser a principal novidade. As melhores condições financeiras das famílias e a expectativa de recuperação no emprego devem beneficiar não apenas o comércio como também o consumo de bens de maior valor agregado, como imóveis. Além disso, as taxas de juros mais baixas incentivam os investimentos em outros ramos da Construção, como os galpões logísticos e lajes corporativas, por exemplo. Ademais, diversos projetos de privatizações e concessões leiloados nos últimos anos começam a entrar na fase operacional.

Os juros mais baixos também têm pressionado mudanças no mercado de crédito e no setor bancário. Observamos uma mudança de postura do regulador de buscar alternativas para a redução dos spreads e das taxas de juros ao consumidor final. A intervenção na taxa de juros cobrada no cheque especial é um exemplo disso. Em que pese termos a tendência de observar a intervenção de governos em mercados como algo problemático, o fato é que temos uma elevada concentração no setor bancário no Brasil e, muitas vezes, mercados oligopolizados precisam do acompanhamento mais próximo do regulador. Com o encolhimento do crédito direcionado, principalmente das linhas do BNDES, o Brasil precisa avançar em maneiras de financiamento de longo prazo, principalmente de máquinas e equipamentos, com custos mais compatíveis com as taxas de juros mais baixas que temos hoje. Esse é um desafio que parece começar a ter o olhar mais próximo do governo, mas ainda há um longo caminho a avançar.

Por fim, ainda que o cenário seja positivo para os próximos anos, o País não pode desviar do caminho das reformas, da modernização do Estado e da melhora no ambiente de negócios. No longo prazo, o crescimento econômico está diretamente atrelado à produtividade e nesse campo ainda temos um grande desafio no que diz respeito à qualificação dos trabalhadores.

Dr. André Nunes de Nunes
Economista-chefe da FIERGS
Artigo publicado no Espaço SINDIMETAL 80

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