Aspectos sobre Contratos de Representante Comercial -Foro Competente para Ajuizamento de Ação Judicial

No Brasil a regulamentação da atividade de “Representação Comercial” ocorreu com a edição da Lei 4.885 de 9 de dezembro de 1965 – que organizou a profissão, retratando na época um enorme avanço diante do então existente vazio institucional sobre a matéria, sendo o texto original alterado posteriormente pelas Leis 8.420/1992 e 12.246/2010.

A questão do foro competente para o ajuizamento de ação judicial pelo representante comercial foi regulada originalmente no art. 39 da Lei 4.885/65, nos seguintes termos: “Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado, é competente a Justiça Comum”.

Em razão do que dispunha a lei e até sua alteração (ocorrida em 1992, pela Lei 8.420), aplicava-se a regra geral de competência de foro, ou seja, a ação era proposta no foro de domicílio do réu (representada), de acordo com os exatos termos dispostos no art. 94, do CPC (de 1973, vigente à época): “A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no domicílio do foro do réu”.

Contudo, com a edição da Lei 8.420/1992, o art. 39 da Lei 4.885/65 teve sua redação drasticamente modificada, passando a ser competente para o julgamento das ações o foro de domicílio do representante: “Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o Foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas”.

Embora a alteração legislativa vigorante, os contratantes permaneceram estabelecendo a cláusula contratual de “eleição de foro” – prevista no art. 111 do CPC/1973 (então vigente), ou seja, aquela através da qual as partes escolhem, já na assinatura do pacto, o local onde poderão ser ajuizadas ações em caso de futura inconformidade de uma das partes.

Contudo, em razão do quanto previsto na lei específica (art. 39 da Lei 4.886/65, alterada pela Lei 8.420/92), muitas decisões judiciais foram proferidas no sentido de afastar o ajuste contratual (eleição de foro) e fazer valer a regra legal – em que pese a natureza interempresarial da relação em debate.

Em 2015, foi editada a Lei 13.105 – Novo Código de Processo Civil, estabelecendo o seu art. 63 que: “As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta a ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º – A eleição de foro só produz efeitos quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 2º – O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes. § 3º – Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu. § 4º – Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão”.

A redação da lei processual civil passou a ser mais abrangente sobre a possibilidade das partes estabelecerem a alteração do foro quanto ao território (eleição de foro); contudo, ainda poderão haver discussões sobre o tema, levando a decisões no sentido de que deva prevalecer a regra da legislação especial e específica (Lei 4.886/65), pois interpretada doutrinária e jurisprudencialmente (ver) como mais benéfica ao representante.

Outro argumento enfrentado nas decisões judiciais para afastar o foro de eleição consiste em que o estabelecido contratualmente poderia dificultar de sobremodo o acesso do representante comercial ao Poder Judiciário.

No entanto, o aludido argumento de dificuldade de acesso ao Poder Judiciário, não pode ser analisado tão somente sob a ótica do representante comercial (especialmente quando tratar-se de uma pessoa jurídica), já que a aplicação da letra fria da lei, pode ensejar comportamentos abusivos por parte do representante comercial (ajuizando ação em local de muito difícil acesso, apenas por estar localizado dentro da sua zona de atuação), ensejando assim dificuldades processuais para a parte adversa, como por exemplo, a produção de uma prova pericial, em face da natureza das mercadorias negociadas, já que estas, via de regra, são localizadas na sede da representada.

Inclusive, na hipótese de ação ajuizada perante a Justiça Cível – na qual figuram na relação processual duas pessoas jurídicas, já se verificam decisões proferidas em sentido favorável a manter o foro eleito pelas partes como sendo o competente para o ajuizamento da ação. Neste sentido as seguintes decisões:

“REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ABUSIVIDADE. NÃO CONFIGURADA. NAS CIRCUNSTÂNCIAS. Consoante a jurisprudência do STJ, cuja função constitucional precípua é a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional (Constituição da República, art. 105, inc. III), e o art. 39 da Lei 4.886/1965, que fixa o foro do representante para dirimir as controvérsias oriundas do contrato de representação comercial, estabelece hipótese de competência relativa, podendo o foro nela previsto, por conseguinte, ser livremente alterado pelas partes contratantes. Verificando-se que a cláusula contratual de eleição de foro não dificulta sobremodo o acesso da parte representante comercial ao Judiciário, é de ser observado o foro contratual. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70064959778, Décima Sexta Câmara Cível, TJ/RS, Relator Paulo Sérgio Scarparo. Julgado em 16/07/2015).”

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. O egrégio Superior Tribunal já se pronunciou acerca da viabilidade da inclusão de cláusula de eleição de foro, mesmo nos contratos de representação comercial. (Agravo de Instrumento nº 70065863730, Vigésima Câmara Cível, TJ/RS, Relatora Walda Maria Melo Pierro. Julgado em 16/08/2015).”

E, ainda, como mais um argumento pode-se respaldar a validade da eleição de foro com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal, consubstanciado na Súmula 335: “É válida a cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato”.

Assim, em face da natureza interempresarial do contrato deve ser defendida a prevalência da cláusula de eleição de foro, acertada no instrumento contratual de representação comercial, considerando-se que a vulnerabilidade, prevista na legislação de 1992, não se mostra absoluta em matéria de eleição de foro, embora a matéria ainda enfrente controvérsia nos Tribunais.

Alexandra Noss Pacheco – OAB/RS 46.802, advogado integrante da equipe de profissionais do escritório Garcez Advogados Associados | Assessoria Jurídica do SINDIMETAL RS, nas áreas Trabalhista, Ambiental e de Representação Comercial;
Artigo publicado no Espaço SINDIMETAL 81

Compartilhe nas redes sociais!